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sábado, março 24, 2012

"Guerra e Paz" com Portinari, Drummond, Milton e Mehmari


Hoje uma dica imperdível aos amantes da arte grandiosa "tão brasileira" de Portinari: a exposição dos seus magistrais murais "Guerra e Paz", no Memorial da América da Latina aqui em São Paulo. Obras que ele produziu entre 1952 e 1956, que foram doadas pelo governo brasileiro à sede da ONU em NY e que desde então ornam o hall de entrada da Assembléia Geral. Infelizmente o local hoje é de acesso restrito por todas as questões de segurança. Por isso vale tanto a pena vê-los expostos aqui. Para quem quiser saber mais sobre a obra o website é: www.guerraepaz.org.br.

Mas não me estenderei mais pois quero dar espaço e reproduzir aqui, mais abaixo, a expressiva poesia de Carlos Drummond de Andrade escrita em homenagem ao pintor brasileiro por ocasião de sua morte em 1962. Esta poesia inclusive toma parte da exposição de forma marcante, na própria voz do poeta. Como pequena contribuição para a sua leitura sugiro como pano de fundo (musical) a execução da "Suite Clube da Esquina" (com temas de Milton Nascimento, Lô Borges e Toninho Horta), arranjada e executada pelo trio do grande André Mehmari (com José Alexandre Carvalho no baixo acústico e Sergio Reze na bateria) - basta clicar o link.



"A Mão"

Entre o cafezal e o sonho,
O garoto pinta uma estrela dourada
na parede da capela,
e nada mais resiste à mão pintora.

A mão cresce e pinta
o que não é para ser pintado mas sofrido.

A mão está sempre compondo
módul-murmurando
o que escapou à fadiga da Criação
e revê ensaios de formas
e corrige o oblíquo pelo aéreo
e semeia margaridinhas de bem-querer no baú dos vencidos.

A mão cresce mais e faz
do mundo-como-se-repete o mundo que telequeremos.

A mão sabe a cor da cor
e com ela veste o nú e o invisível.
Tudo tem explicação porque tudo tem (nova) cor.
Tudo existe porque foi pintado à feição de laranja mágica
não para aplacar a sede dos companheiros,
principalmente para aguçá-la
até o limite do sentimento da terra domicílio do homem.

Entre o sonho do cafezal
entre guerra e paz
entre mártires, ofendidos,
músicos, jangadas, pandorgas,
entre os roceiros mecanizados de Israel,
a memória de Giotto e o aroma primeiro do Brasil
entre o amor e o ofício
eis que a mão decide:

Todos os meninos, ainda os mais desgraçados,
sejam vertiginosamente felizes
como feliz é o retrato
múltiplo verde-róseo em duas gerações
da criança que balança como flor no cosmo
e torna humilde, serviçal e doméstica a mão excedente
em seu poder de encantação.

Agora há uma verdade sem angústia
mesmo no estar-angustiado.
O que era dor é flor, conhecimento
plástico do mundo.

E por assim haver disposto o essencial,
deixando o resto para os doutores de Bizâncio,
bruscamente se cala
e voa para nunca-mais
a mão infinita
a mão-de-olhos-azuis de Cândido Portinari.

Carlos Drummond de Andrade

ANDRADE, Carlos Drummond de. A Mão. In:______. Carlos Drummond de Andrade: poesia e prosa. Introdução Afrânio Coutinho. 8. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992. p. 323-324.